terça-feira, 5 de maio de 2009

UMA ANÁLISE CULTURAL AMAZÔNICA SOBRE A ÓTICA DO ESCRITOR WALCYR MONTEIRO

Por Vanessa Dantas e Manayra Rodrigues

Jornalista, economista, sociólogo e escritor, Walcyr Monteiro é considerado como um dos mais importantes escritores paraenses, em decorrência de seus trabalhos produzidos no âmbito literário. Reconhecido, principalmente por suas realizações no campo folclórico, com publicações de livros relacionados ao imaginário popular amazônida, como Visagens e assombrações de Belém, obra mais atual e conhecida, onde exalta a identidade, que considera puramente unívoca da população amazônica.

As produções do autor adquiriram uma expansão considerável, tanto em esfera nacional como internacional, desde sua primeira publicação em 1972, no jornal A Província do Pará. No ano de 2007, foram comemorados os 35 anos da primeira publicação da obra Visagens e Assombrações de Belém. Sendo possível encontrar as diferentes edições dos trabalhos de Walcyr, como as cinco edições da obra Visagens e Assombrações de Belém, a série Visagens, Assombrações e Encantamentos da Amazônia, As Incríveis Histórias do Caboclo do Pará, Miscelânea ou Vida em Turbilhão e Cosmopoemas. Para comprovar sua ênfase na área internacional, encontram-se publicações do livro Histórias Portuguesas e Brasileiras para Crianças, lançado no Brasil e Portugal e o conto Presente de Natal, publicado em diversos idiomas, como Português, Espanhol, Inglês e Japonês.

Essas manifestações culturais tratadas nas obras do escritor nascem no cenário interiorano, se expandem para periferia, espraiando-se aos grandes centros, tornando-se parte do cotidiano da população central, isto é, os hábitos pertencentes aos grupos populares penetram o grupo social, dito elitista, que com o tempo tendem a perder-se, em decorrência do surgimento de novos. Daí se dá o trabalho de Walcyr que reúne essas narrativas orais. É como se o que antes era repelido, ironizado e desvalorizado se tornasse algo precioso ao ponto de ser preservado e cultivado para que, de maneira nenhuma desapareça. Fator considerado superado na visão pós-moderna.

A crítica não perpassa a pessoa Walcir Monteiro e sim ao seu trabalho. Por se tratar de uma temática interligada a todo um contexto social e midiático, interessado na valorização dessa famosa identidade cultural Amazônica, é daí que resulta essa exacerbada divulgação de suas obras, em relação a outros escritores, justamente por está ligado a uma extensa cadeia artística, musical, empresarial e a veículos de comunicação que dão todo um suporte midiático, visto que o autor é um constante tema neste meio. Baseando-se neste fato constata-se a grande relevância que os mass media oferecem as obras de Walcir Monteiro, sempre presente em eventos culturais como a Feira Pan Amazônica do Livro.

Há um tempo o governo estadual propôs a retirada do Halloween da região norte, para substituir seus personagens como, bruxas e caveiras pela Matinta Perera, Curupira e Mãe d’ Água, figuras características de nossa região, com o intuito de valorizar a cultura local. Atitude no mínimo impensada, se levarmos em conta que os processos híbridos no Brasil existem desde sua fundação, com o contato entre os colonizadores Europeus e habitantes locais. De lá pra cá, esse processo aumentou cada vez mais, principalmente com o advento da televisão.

“A geração do 3º milênio – na certeza de que manterão a Amazônia e sua cultura como a recebemos de nossos antepassados!” (Monteiro, 2007).

Divergindo com a citação apresentada, pode-se dizer que não se deve olhar a região Amazônica e classificá-la de uma única maneira ou mesmo padrão, estático, imutável, como se sua cultura sintetizasse apenas o exotismo, o incomum, tradicional e o fantástico, com seus mitos e lendas.

Fator este, até hoje cultivado pelos mass media, por meio de produções cinematográficas e televisivas, nacionais e internacionais, propagadas a partir da década de 1950, com o advento da televisão nos lares brasileiros, que cultivam e disseminam a idéia de uma Amazônia ultrapassada, de 1500. Esquecendo das relações interculturais com os africanos, indígenas, colonizadores europeus e mais tarde, precisamente na belle époque, com os nordestinos, em que os nativos amazônidas adquirem particularidades destes povos, que permanecem até os dias atuais. De acordo com texto de autoria de N. Canclini:

A hibridação, como processo de interseção e transações, é o que torna possível que a multiculturalidade evite o que tem de segregação e se converta em interculturalidade.

Encontram-se nas obras do autor uma espécie de rótulo do morador Amazônico, de forma como se não houvesse mantido contato com estas culturas, e que não apresentasse um processo de aculturação entre os nativos e os imigrantes. Como se essa região não tivesse se desenvolvido e participado dos processos de globalização e hibridismo cultural. E o pior, como se o homem que habita o território amazônico fosse o mesmo de gerações passadas, dando uma idéia de estabilidade social e cultural.

O fato é que foi ignorado o crescimento no contato entre as diferentes culturas, a partir da década de 1980, proporcionadas pelos meios de comunicação e o surgimento de novas tecnologias, que possibilitaram uma maior relação com as pessoas. Tecnologias estas que de certa forma, ajudam a reorganizar experiências distintas, auxiliando no reconhecimento de símbolos culturais. Sendo constatada essa afirmação, no trecho de Ilana Polistchuk e Aluízio Ramos Trinta, do ano de 2003.

As tecnologias da comunicação fazem circular novos meios de produção e de propagação de fatos culturais, em harmonia com a sensibilidade coletiva do tempo e as formas de perceber, entender e se apoderar, fazendo seu próprio, que são as dos receptores ou destinatários.

Walcyr Monteiro é um dos contribuintes de uma errônea temática, como já foi dito, pois tenta preservar esse imaginário Amazônico, que na verdade não se perdeu, apenas hibridou-se com outras culturas, acarretando na origem de novas. O ribeirinho morador do interior Amazônico continua com os valores e hábitos de seu bisavô, porém concomitantemente a isso ele adquiriu muitos costumes de outros países e continentes e até de outros estados da sua própria nação, que desconhecia; conhecimento este permitido graças ao surgimento da televisão. De acordo com o texto de autoria de N. Canclini, do ano de 2003, afirma-se que:

Os estudos sobre narrativas identitárias com enfoques teóricos que levam em conta os processos de hibridação (Hannerz; Hall) mostram que não é possível falar das identidades como se se tratassem apenas de um conjunto de traços fixos, nem afirmá-las como a essência de uma etnia ou de uma nação.

Conforme a afirmação apresentada pode-se entender que o trabalho do autor em sua maioria é ultrapassado, pois não acompanha os estudos relacionados às atuais narrativas identitárias, confirmando uma estagnação cultural em suas obras, a qual o mundo ironiza, mas está presente na realidade cultural e no imaginário popular de algumas pessoas. Logo, esta estabilidade não existe, haja vista que a identificação por algo ou idéia muda constantemente.

“Anita e a irmã tiveram que ir a ‘experientes’ até que uma finalmente as curou: tinham ficado assombradas pela Mãe d’Água do Igarapé de São Joaquim...”

E, desde ai, Anita passou a respeitar não somente a Mãe d’Água daquele Igarapé, como também a todos os ‘donos’ dos demais igarapés, furos, paranás, rios, lagos e de outros acidentes geográficos da Amazônia. (Monteiro, 2007)

Este trecho é uma pequena amostra para entender que o autor retrata em suas obras apenas um ângulo da sociedade de outrora, como se nas conversas e no cotidiano das pessoas predominasse somente o regionalismo, a idéia de pureza, visto que seus personagens acreditam em histórias fantásticas. Repelindo do vocabulário destes, características oriundas de outras culturas, ou seja, não se pode generalizar que os hábitos da região Amazônica são os mesmos para todos os habitantes, assim como não se pode dizer que não há mestiçagem em um país como o Brasil, que é classificado, na visão estrangeira, como o país do samba, carnaval, futebol e mulheres naturalmente esculturais.

A partir dos pressupostos apresentados, pode-se dizer que as obras de Walcyr Monteiro sofreram uma espécie de reconversão cultural? Não e sim, haja vista, que seus personagens e dialetos não alteraram suas características perante as exigências do mercado, para que fossem comercializáveis, não! Pelo contrário, as obras do autor mantêm o que ele julga ser a identificação do povo amazônico. Contudo, suas obras são o resultado da coletânea de histórias faladas pela população de outrora, que o escritor as adaptou para livros com o intuito de que fossem preservadas, divulgadas e comercializadas através do mercado, que como sempre, faz seu papel de analisar manifestações culturais que julga ter capacidade de “emplacar” no gosto global.

A GUISA DE CONCLUSÃO

O cinema e a televisão impulsionaram a formação de um imaginário coletivo durante o século XX e agora o XXI; a televisão incide, com sua poderosa cotidianidade, no desenvolvimento de uma memória coletiva, apresentando realidades, mas também forjando estereótipos.
A citação à cima de C. Castro esta fortemente relacionada com o que entende-se sobre pós-modernidade, já que não se admite a idéia do intocável, valorizando assim o multiculturalismo.

Portanto, defende os processos híbridos, as metamorfoses, inter-relações, fusões e reconversões entre as culturas, que aumentaram em decorrência do aparecimento dos mass media. Mas sabe-se que não necessariamente essas trocas acontecem de modo pacífico. Desta forma, é observável a busca do autor em preservar intocável, o que considera origens sociais e culturais, contrapondo-se às propostas expostas no artigo e conseqüentemente a pós-modernidade, a qual não necessariamente nega esta valorização do tradicionalismo, mas sim defende o relativismo cultural. De acordo com um trecho do texto de C. Castro:

“A diversidade cultural é a nova protagonista da praça pública”

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